Índice
Histórico, Panorama Atual e Futuro
A primeira Conferência sobre Meio Ambiente Humano foi realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972. Em Estocolmo, o principal motivo da mobilização foi uma crise ambiental abrangente, percebida no período pós II Guerra Mundial. Foi a primeira vez que surgiram propostas que visassem conciliar a sustentação econômica no longo prazo aliado à manutenção de serviços ecossistêmicos e melhoria das condições sociais (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA – MME, 2020).
Quinze anos depois, em 1987, a ONU lançou o relatório Our Common Future (“Nosso Futuro Comum”, em português), reconhecendo o tema das mudanças climáticas como prioritário e estabelecendo um marco para a discussão mundial de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE). No ano seguinte foi criado o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), na Conferência Mundial sobre Mudanças na Atmosfera.
Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Eco-92, ou Rio-92), um dos fundamentais e marcantes momentos na história política e ambiental do mundo, ocorreu no Rio de Janeiro, representando uma coalizão geopolítica em prol do desenvolvimento sustentável. Reuniram-se representantes da sociedade civil, organizações não-governamentais (ONGs) e movimentos sociais e populares, no sentido de fortalecer instrumentos econômicos de políticas ambientais, que sobressaíssem sobre o instrumento clássico de comando-e-controle, previamente consolidado. Foi na Rio-92 que a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC, em inglês) foi assinada, com o objetivo de estabilizar as concentrações de GEE na atmosfera em níveis aceitáveis (MME, 2020).
De 1995 em diante foram iniciadas as Conferências das Partes (COP, em inglês), na UNFCCC. As COPs são realizadas anualmente e o primeiro grande marco surgiu na COP-3, em 1997 no Japão, em que foi adotado o Protocolo de Kyoto. Este foi o primeiro protocolo que estabeleceu metas de redução de GEE para os países desenvolvidos (“Países do Anexo I”). Embora não muito efetivo quanto às metas propostas, o evento foi muito importante para o desenvolvimento embrionário de um mercado de carbono, estabelecendo possibilidades de geração de créditos de carbono a partir de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e da Implementação Conjunta (IC).
O seguinte grande marco ocorreu somente na COP-21, com a formalização do Acordo de Paris. Este acordo baseou-se nas proposições de cada país com as Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDC, em inglês), as quais deveriam ser ratificadas posteriormente e passar a representar as NDCs de cada nação. Com a recente assinatura de Joe Biden, os Estados Unidos retornaram ao acordo de Paris, que agora conta com 196 Partes assinantes, demonstrando a importância dada à precificação na descarbonização mundial.
Apesar de um avanço ainda tímido desde 2015, a expectativa para a COP-26, que ocorrerá este ano em Glasgow (Escócia, Reino Unido), é de uma regulação mundial do mercado de carbono, sendo o Artigo 6º do Acordo de Paris um dos principais instrumentos na modelagem desta nova política.
O que é um Crédito de Carbono e como são gerados?
Um crédito de carbono é a representação de uma tonelada de carbono que deixou de ser emitida para a atmosfera. É um conceito aparentemente simples, mas que causa grande confusão e dificuldade de entendimento entre diferentes setores da sociedade civil e parlamentar. Este crédito é a moeda utilizada no mercado de carbono, em que empresas ou projetos que certificadamente reduzem as emissões vendem para pessoas físicas ou jurídicas que desejam compensar suas emissões.
Apesar do mercado de carbono estar se consolidando aos poucos, existem diversas maneiras de geração desses créditos. Os produtores e importadores de biocombustíveis, por exemplo, geram créditos de descarbonização (CBIOs) junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis com base em notas fiscais de compra e venda. É um dos esforços brasileiros para cumprir os compromissos assumidos na COP-21, em que os distribuidores de combustíveis fósseis possuem metas anuais de descarbonização no setor de combustíveis com o intuito de aumentar a bioenergia na matriz energética para 18% até 2030.
Apesar de não possuir data de vencimento, estes distribuidores solicitam a aposentadoria dos CBIOs em sua titularidade em quantidade equivalente às metas estabelecidas. É válido ressaltar que a B3, a Bolsa brasileira, disponibiliza o ambiente para registro da emissão, negociação e solicitação das aposentadorias. Veja o ciclo de vida do CBIO aqui.
Projetos de Carbono e de Serviços Ambientais
O presente tópico tem por objetivo elucidar uma visão inicial de como construir um projeto com potencial geração de crédito de carbono e apontar as possíveis complexidades no planejamento e execução destes. O conteúdo foi baseado em um material da parceria entre Imaflora e Biofílica, instituições que estudaram as principais normas de certificação de carbono, como a VCS (Voluntary Carbon Standards), CAR (Climate Action Reserve), CCBA (Climate, Community and Biodiversity), ACR (American Carbon Registry) e o Plan Vivo.
O sumário base de um projeto de carbono está descrito abaixo e reitera-se a importância da leitura completa do material. Neste artigo, será apenas destacado alguns dos termos importantes presentes em um projeto que auxiliam a compreensão do funcionamento pleno do mercado de carbono.
Sumário do Guia de um Projeto (IMAFLORA/BIOFÍLICA):
1. Introdução
2. Definição do escopo do projeto
3. Organizações envolvidas e responsabilidades
4. Gestão do projeto
4.1 Gestão financeira
4.2 Gestão de Recursos Humanos (RH)
4.3 Mecanismos de revisão do projeto
4.4 Mecanismos de transparência
4.5 Mecanismos de resolução de conflitos
4.6 Critérios de elegibilidade
5. Aspectos legais do projeto
5.1 Situação fundiária e regularidade ambiental da área do projeto
5.2 Licenças necessárias para a implementação do projeto
5.3 Legislação trabalhista
5.4 Situação tributária
5.5 Direito legal sobre os créditos gerados pelo serviço ambiental
6. Descrição geral da área do projeto
6.1 Localização da área do projeto
6.2 Uso do solo na área do projeto
6.3 Descrição do ambiente
6.4 Descrição das comunidades e outros atores locais
7. Descrição de atividades
7.1 Descrição das atividades ambientais
7.2 Descrição das atividades sociais
8. Metodologia
8.1 Cenário sem projeto e definição de linha de base
8.2 Definição dos estoques de carbono a serem considerados
8.3 Avaliação de vazamentos
8.4 Permanência
8.5 Adicionalidade
8.6 Mensuração dos benefícios
9. Gestão de riscos
10. Plano de monitoramento
Anexos. Requerimentos específicos para cada padrão de certificação.
Permanência
Associado ao período em que o carbono armazenado por sequestro permanece em um “reservatório” para ser liberado novamente. O projeto deve demonstrar o horizonte pelo qual os benefícios esperados são assegurados, utilizando estes períodos no cálculo de créditos gerados. Um reflorestamento, por exemplo, que tem como objetivo final a queima das árvores para geração de energia é chamado de temporário, isto é, não tem permanência (IMAFLORA; BIOFÍLICA, 2009).
Riscos acidentais, como queimadas, ataques de formiga, seguindo no mesmo exemplo de reflorestamento, são também efeitos de consideração neste tópico, sendo mais bem detalhado no item de gestão de riscos do projeto.
Adicionalidade
Estabelecido pelo Artigo 12º do Protocolo de Kyoto, demonstrar adicionalidade significa comprovadamente resultar na redução de emissões de GEE ou no aumento de remoções de CO2 de maneira adicional ao que ocorreria na ausência da atividade projetada (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM Amazônia, 2015). O critério objetiva avaliar a redução real, mensurável e de longo prazo para a mitigação das mudanças climáticas.
Atividades que já estão sendo executadas ou que seriam independentemente do projeto não são consideras adicionais e, portanto, não se qualificam nos sistemas de certificação atuais. Os principais testes de adicionalidade, resumidamente, são: Requerimento Legal (caso o projeto atenda uma exigência legal são raras as chances de ser considerado adicional); Barreira Financeira (quando atividades do projeto não seriam possíveis sem o aporte de investimento do projeto de carbono); e Prática Comum (projeto deve fugir das atividades consideradas “práticas comum” da região) (IMAFLORA; BIOFÍLICA, 2009).
Digitalização do Mercado
Panorama atual
O mercado de carbono, apesar de possuir um funcionamento pouco conhecido, possui um potencial de crescimento enorme e é estimado, segundo dados do Banco Mundial, em US$ 82 bilhões anualmente. As iniciativas de precificação de carbono hoje existentes contabilizam aproximadamente 20% de todas as emissões globais de GEE, isto é, 11 gigatoneladas de CO2eq, e se dividem em: 25 iniciativas em comércio de emissões (cap-and-trade) e 26 em tributação do carbono (carbon tax) (Entenda ambas opções e o que é o CO2eq neste link) (REVOREDO, 2021).
O Banco Mundial realizou estimativas que concluem que as receitas da precificação deste ativo chegam a US$33 bilhões. E, ainda que a União Europeia tenha realizado ações corretivas para as disfunções do mercado, como a elevação de 5 euros/ton de CO2eq para 13 euros (US$7 para US$16), analistas do Banco Mundial sugerem que a faixa aceita posiciona-se abaixo do necessário para atingir os objetivos do Acordo de Paris (de US$40 a US$80 por tonelada) (REVOREDO, 2021).
Tokenização e Blockchain
Ambas as palavras deste tópico terão mais frequência no cotidiano dos próximos meses e anos. Um token, traduzido do inglês como símbolo e neste caso, uma ficha ou ticket, é um termo que representa um recurso que tem permitido maior segurança nas transações de ativos e operações financeiras. Resumidamente, este token é gerado a partir de códigos únicos e criptografados, gerados em uma cadeia denominada blockchain (MOSS, s.d.).
Blockchain, por sua vez, pode ser explicado como uma enorme rede de milhares de computadores espalhados pelo mundo, capazes de verificar em alta velocidade cada novo código gerado para registro ou transação, ratificando-os e transformando-os em tokens. Uma vez tokenizado, essa combinação não pode ser utilizada novamente, impossibilitando que o token seja violado ou atrelado a outra operação. Especialistas dizem que a verificação descentralizada e em larga escala classifica o sistema como o mais seguro até hoje para certificação de transações.
O que estão fazendo hoje é transformar cada crédito de carbono em um token comercializável em um mercado mundial com certificações e regulações de padrão internacional. Este token, conforme explicado anteriormente, é seguro, rastreável e imutável, além de carregar consigo toda a cadeia de registros de operações uma vez realizadas com ele. Este modelo de negócios impede ainda que haja créditos fraudulentos, sendo alocados para projetos que não existem ou que sejam vendidos diversas vezes a mesma tonelada, recebendo apenas um documento em .pdf como certificação de compensação, além de permitir que pequenos investidores participem do mercado, sem a necessidade de aporte para projetos de grandes áreas florestais, por exemplo.
A digitalização dos créditos de carbono, portanto, é capaz de interligar os mercados voluntário e regulado (veja a diferença aqui) e o blockchain se apresenta como uma importante ferramenta na universalização de um padrão mundial deste mercado, garantindo liquidez e transparência para uma estrutura global.
Para saber mais sobre as áreas de administração e economia em projetos desenvolvidos para o agronegócio aguarde os próximos posts sobre gestão ou entre em contato com o ADECA Agronegócios.
Site: https://portaladeca.com/ Telefone: (19) 3429-8855 e-mail: adeca@cepea.org.br Instagram: @adecaagronegocios
>> Leia mais em: “Por que devo saber o meu custo?”. Onde Alberto Pessina responde as principais dúvidas sobre gestão de custos.
>> Leia mais entrevistas em: “Margem Bruta e Eficiência Comercial”. Onde Alberto Pessina explica sobre Margem Bruta e Eficiência Comercial.
>> Leia mais entrevistas em: “Como melhorar os resultados da empresa rural?”. Onde Alberto Pessina explica que precisamos analisar uma série de fatores que influenciam na produtividade e rentabilidade do negócio para atingir bons resultados. E é fundamental se ter uma boa gestão das atividades da propriedade rural.
Referências Bibliográficas
ADECA AGRONEGÓCIOS. Precificação de Carbono. 2021. Disponível em: <https://materiais.agromove.com.br/adeca-e-book-precificacao-de-carbono>. Acesso em: 28 maio 2021.
B3. Crédito de Descarbonização (CBIO). Disponível em: <http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/outros-servicos/servicos-de-natureza-informacional/credito-de-descarbonizacao-cbio/>. Acesso em: 28 maio 2021.
IMAFLORA; BIOFÍLICA. Guia para a elaboração de projetos de carbono e de serviços ambientais. São Paulo: Creative Commons, 2009. Disponível em: <https://biofilica.com.br/web/downloads/guia.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
IPAM AMAZÔNIA. Adicionalidade. 2015. Disponível em: <https://ipam.org.br/glossario/adicionalidade/>. Acesso em: 28 maio 2021.
MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. PRECIFICAÇÃO DE CARBONO: RISCOS E OPORTUNIDADES PARA O BRASIL. Brasília: EPE, 2020. Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-549/NT%20EPE-DEA-GAB-014-2020%20-%20Precifica%C3%A7%C3%A3o%20de%20C_final_05012021.pdf.> Acesso em: 28 maio 2021.
MOSS. Tokenização: você sabe o que é? s.d. Disponível em: <https://moss.earth/o-que-e-tokenizacao/>. Acesso em: 28 maio 2021.
REVEREDO, T. Digitalização de créditos de carbono. 2021. Disponível em: <https://mittechreview.com.br/digitalizacao-de-creditos-de-carbono/>. Acesso em: 28 maio 2021.
UNITED NATIONS. Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future. S.I: 1897. Disponível em: <https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
UNITED NATIONS. PARIS AGREEMENT. Paris: Un, 2015. Disponível em: https://unfccc.int/sites/default/files/english_paris_agreement.pdf. Acesso em: 28 maio 2021.