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A cana-de-açúcar (Saccharum spp.) representou, por muito tempo, o carro chefe da agricultura brasileira, sendo fator essencial para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Atualmente, a cana-de-açúcar junto a seus derivados, como o açúcar e etanol e, sobretudo, seus coprodutos como bagaço, torta de filtro e a vinhaça, representam parte significativa da economia brasileira, possibilitando um mercado amplo e com muita margem para ampliação (MACHADO, 2003).
Estes subprodutos que hoje estão consolidados no mercado, antigamente eram descartados, como, por exemplo, na produção de açúcar, onde a fibra úmida oriunda do colmo, o bagaço, era material de descarte, pois não se tinha conhecimento de seu valor (CORTEZ et al., s.d.).
Com a definição direcionada dos processos para a obtenção de açúcar de alto padrão e o começo da produção de álcool em larga escala, a indústria começou a gerar uma linha de descarte agroindustrial conhecida como subprodutos, dando origem a valiosos produtos como a torta de filtro e a vinhaça (CORTEZ et al., s.d.).
Subprodutos da indústria sucroenergética
Bagaço
O bagaço de cana-de-açúcar é um subproduto lignocelulósico da produção de etanol e açúcar, tendo como base da sua constituição, celulose, hemicelulose e lignina. Em média, o bagaço representa 28% do peso total da matéria total, sendo a sua composição elementar descrita na tabela abaixo (ANDRADE, 2015).
Este coproduto fibroso é obtido através da moagem da cana, sendo extremamente valioso, devido a sua consolidação na indústria brasileira. Sua proporção na produção é de 280 kg de bagaço para cada tonelada de cana moída, portanto, é bastante abundante (ANDRADE, 2015).
Dentre suas utilizações, destaca-se a geração de energia através da queima, até a incorporação ao solo e, também, como integrante na alimentação animal (ANDRADE,2015).
Vinhaça
A vinhaça é obtida através da produção de álcool, após a fermentação do mosto e destilação do vinho. A composição deste material contém 2 a 6% de constituintes sólidos, descontando a matéria orgânica. Abordando a questão mineral, este resíduo apresenta quantidades elevadas de potássio e médias de cálcio e magnésio. O seu rendimento de produção está diretamente relacionado com o teor alcoólico obtido na fermentação, podendo variar de 10 a 18 litros de vinhaça por litro de álcool produzido (BAFFA et al., 2009).
A composição química da vinhaça varia de acordo com o tipo de vinho destilado, da natureza e composição da matéria prima, do sistema usado no mosto, do método de fermentação adotado e do sistema de condução de fermentação alcoólica, da raça de levedura, dos equipamentos de destilação, do modo de destilação e do tipo de flegma (BAFFA et al., 2009).
Torta de filtro
A torta de filtro tem como composição uma mistura de bagaço moído e iodo da decantação proveniente do processo de clarificação do açúcar ou do filtro do caldo extraído das moendas, apresentando em média, alto teor de umidade, matéria orgânica e macro e micronutrientes (TELLECHEA, 2015).
Esta composição pode-se alterar por diversos fatores, entre eles vale ressaltar a variedade de cana, tipo de solo, maturação da cana e o processo de clarificação do caldo. Em média, no processamento da cultura da cana, são produzidos cerca de 30 kg de torta de filtro para cada tonelada de cana moída (TELLECHEA, 2015).
Utilização dos subprodutos da indústria sucroenergética para adubação
A vinhaça e a torta de filtro são subprodutos do setor sucroenergético que apresentam diversas vantagens nutricionais para as lavouras canavieiras. Esse fato, alinhado ao drástico aumento do custo dos fertilizantes químicos, foi responsável pela intensificação da utilização desses compostos para a adubação dos canaviais.
Para a produção de 1 litro de álcool, são produzidos também cerca de 12 litros de vinhaça, que pode apresentar diferentes concentrações de potássio conforme sua origem. Por exemplo, a vinhaça produzida em fábricas de açúcar ao submeter o melaço à reação de fermentação carrega uma maior concentração do macronutriente em relação à vinhaça que foi resultado dos processos de fermentação do caldo de cana para a produção de etanol (UDOP, 2003).
A aplicação de vinhaça nos canaviais é realizada utilizando o método da fertirrigação e a dose do composto que deve ser aplicada é calculada a partir do teor de potássio revelado na análise química do solo. Além disso, quando a vinhaça é aproveitada da maneira correta para a adubação, essa garante K2O para a cultura, favorece as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, aumenta a matéria orgânica presente no solo, facilita a mineralização do nitrogênio, melhora a fertilidade do solo e, por consequência, aumenta a produtividade das lavouras de cana-de-açúcar. No entanto, em casos de aplicações excessivas de vinhaça pode-se observar o retardamento da maturação da planta, comprometendo o teor de sacarose presente na cana-de-açúcar e a qualidade da produção (EMBRAPA, s.d.).
Silva (2014) em sua pesquisa relacionada à aplicação da vinhaça na cultura da cana-de-açúcar, confirmou por meio da realização de experimentos que a utilização dessa forma de adubação orgânica aumentou significativamente a disponibilidade de potássio para o solo e a produtividade de colmos na lavoura.
A torta de filtro por sua vez, é o resíduo da produção de álcool e de açúcar. O composto, além de fornecer matéria orgânica e concentrações de fósforo, cálcio e de micronutrientes, também garante umidade aos solos, permitindo a brotação da cana-de-açúcar em plantios realizados em períodos frios. A adubação realizada pela torta de filtro pode, dependendo da dose de P2O5 recomendada, suprir a necessidade parcial ou total de fósforo do solo. Porém, é importante lembrar que a torta não contém todos os elementos essenciais para a cultura (EMBRAPA, s.d.).
Alves (2017), em seu experimento sobre a aplicação de torta de filtro como adubo em canaviais, concluiu que essa técnica aumenta significativamente o ATR nas plantas e garante uma maior produtividade nas lavouras. Porém, comprovou também o fato de que o resíduo não apresenta todos os nutrientes fundamentais para o desenvolvimento das plantas, não conseguindo substituir totalmente as adubações minerais.
Já o bagaço da cana-de-açúcar é o composto que seria descartado após a terceira moagem na usina para a produção de etanol. Tal subproduto, quando submetido a processos que envolvem sua queima, libera vapores que podem ser utilizados para a geração de energia elétrica (MARTINS, 2009).
A geração de energia elétrica a partir da queima do bagaço da cana é uma alternativa viável para usinas que desejam otimizar suas receitas e pode ser uma opção futura para suprir as crescentes demandas de energia elétrica resultantes das evoluções tecnológicas (MARTINS, 2009).
Importância da utilização dos subprodutos
Aumento da eficiência de produção
Pelo fato do potássio vindo da vinhaça, originado das plantas canavieiras, não ser utilizado nas produções de açúcar e álcool, o nutriente acaba retornando ao solo quando se utiliza esse composto como forma de adubação orgânica, evitando o desperdício de nutrientes. Já os resíduos orgânicos sólidos, como o bagaço da cana-de-açúcar e a torta de filtro, além de auxiliarem na produção de energia elétrica, também podem ser responsáveis por estabelecer a ciclagem de nutrientes no sistema solo-planta, visto que quando esses resíduos são utilizados para a adubação dos canaviais, minimizam a perda de nutrientes do solo da lavoura por exportação (MARQUES, 2015; EMBRAPA, 2018).
Dessa forma, nutrientes que com a colheita seriam exportados das lavouras e, portanto perdidos, voltam aos solos. O impacto que essa cadeia promove é uma organização produtiva eficiente e uma reciclagem de nutrientes que permitirá uma maior economia com adubos químicos, fato que será abordado de maneira mais aprofundada no próximo tópico.
Menor dependência de fertilizantes minerais
Os subprodutos da indústria sucroenergética também são muito importantes para diminuir a dependência da utilização de fertilizantes minerais. O Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes utilizados nas lavouras do país, e, isso pode ser um problema se pensar que o país está em desvantagem comercial por depender desses produtos importados para movimentar o agronegócio nacional, que contribui com uma grande parcela do PIB brasileiro (CARRANÇA, 2022).
Assim, com os subprodutos canavieiros refletindo em uma economia na quantidade de fertilizantes químicos utilizados nas produções, o cenário começa a apresentar alterações positivas. Além disso, o fato dos adubos orgânicos conseguirem suprir uma grande parte da adubação química na cultura canavieira, torna a cadeia produtiva mais viável economicamente.
Redução de emissão de CO2 para a atmosfera
O bagaço, ao ser queimado, gera alguns poluentes como o monóxido e o dióxido de carbono. Tais poluentes, quando emitidos para a atmosfera, podem causar uma série de problemas para a sociedade. No entanto, para que esse controle seja realizado, utiliza-se lavadores de gases para as caldeiras. Com o lavador de gases, a queima do bagaço em caldeira é menos poluente se comparada com outras fontes de combustíveis fósseis, e, dessa forma, causa menor impacto ambiental (PIACENTE, 2005).
Conclusão
A cana-de-açúcar é, desde os primórdios da sociedade brasileira, uma das principais responsáveis pelo desenvolvimento socioeconômico do país. Os fatores que afetam a produtividade, bem como as diferentes técnicas adotadas para o cultivo da cana-de-açúcar, apresentam desafios que nos instigam a explorar novas áreas, sobretudo as que envolvem a utilização de seus subprodutos.
Assim, pode-se ressaltar que, sendo um dos carros-chefes de nossa economia, estudar a cana-de-açúcar e seus resíduos possibilita o entendimento das necessidades e os caminhos para a transposição dos desafios da produção, visando maiores produtividades e lucratividade.
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Referências
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