Fazenda Flórida - Cassilândia - MS. Foto: Rogério Domingues.
Fazenda Flórida - Cassilândia - MS. Foto: Rogério Domingues.

A estacionalidade na disponibilidade de pasto para o gado é um problema bastante conhecido entre os pecuaristas. E para que a oferta de alimentos esteja adequada ao rebanho o ano todo, algumas técnicas devem ser realizadas. Uma destas técnicas praticadas é a vedação ou diferimento de pastagem.

Muito embora seja uma das práticas consideradas mais simples, ainda restam muitas dúvidas sobre ela. Uma das principais é “quando deve ser feita a vedação de pastagem?”.

Para responder esta e outras perguntas, a Agromove conversou com o especialista Rogério Fernandes Domingues.

Introdução

Rogério Fernandes Domingues é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP (1998), possui especialização em Nutrição Animal e Pastagens (2003) e MBA em Agronegócios pela FGV (2010).

Rogério iniciou seus trabalhos com pecuária e produção animal durante o período de sua graduação, estagiando no Clube de Práticas Zootécnicas – CPZ, do Departamento de Zootecnia da ESALQ/USP até sua formação. No ano de 1999, passou a trabalhar com a empresa Parmalat no Departamento de Assistência Técnica ao Produtor, sendo responsável pela região norte do Estado de SP e posteriormente, pela região da cidade de Jundiaí.

Em 2000, iniciou seus trabalhos com a parte de formação de pastagens, semiconfinamento e produção de silagem no Estado do MT e ao final do ano de 2001, passou a atuar no MS, nas propriedades da Família Misrahi, trabalhando na reestruturação das unidades produtoras que exploravam a pecuária de corte.

Após realizar a pós-graduação, Rogério foi contratado pelo grupo Vilela de Queiroz, em Barretos, a partir da indicação do Engenheiro Agrônomo e amigo Gustavo Ubida (que também foi entrevistado pela Agromove. Saiba mais em “Conversa com especialista: Crédito Rural, como funciona?”), tornando-se responsável por toda a parte técnica e planejamento agrícola e pecuário da mesma, em Fazendas em GO, MT, RO, PA e TO. Em 2012, no norte de Minas, região de Montes Claros, assumiu um grupo de fazendas como responsável técnico e gerencial em uma pecuária de ciclo completo, ou seja, cria, recria, engorda em confinamento, além de agricultura irrigada.

A partir do ano de 2014, passou a trabalhar com assessoria e gestão-integrada de diversas fazendas, nos Estados de SP, MS, MT e GO, participando de todas as etapas de gestão e planejamento operacional-financeiro das atividades agrícolas e pecuária destas propriedades. Outra atividade realizada é a avaliação e análise de viabilidade (projetos) de sistemas de produção envolvendo agricultura, pecuária e recentemente, a integração entre as duas atividades.

Cenários Pecuária e Grãos - Agromove
Cenários Pecuária e Grãos – Agromove.

Questões

Agromove: O que é vedação de pastagem?

Rogério Domingues: Primeiramente, eu gostaria de salientar que o Brasil ocupa uma posição de destaque no agronegócio mundial de carnes, contribuindo bastante com o PIB do país.

De acordo com os últimos dados apresentados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), o Brasil possui hoje, 1,3 cabeças de gado por hectare em uma lotação média de 0,9 cabeças por hectare, totalizando um rebanho de quase 215 mi de cabeças. Em 2018, tivemos 44,2 milhões de animais abatidos e para ressaltar a importância das pastagens, apenas 5,6 milhões foram advindos de confinamento. Apenas 12,5% do total em abate. Isso quer dizer que as pastagens são de extrema importância para o agronegócio brasileiro.

Outro detalhe é a redução da idade média de abate, isso quer dizer que estamos disponibilizando para o mercado animais mais jovens e uma carne com muito mais qualidade. Essa qualidade é o resultado de acertadas decisões baseadas na escolha genética, sanidade e principalmente, do manejo nutricional (pastagens e aporte de suplementos).

Quanto à pergunta sobre vedação de pastagem, as gramíneas (tropicais e temperadas) de modo geral, possuem uma curva de crescimento intermitente, ou seja, em uma parte do ano elas possuem um crescimento bastante intenso e em outra parte ele se torna bem reduzido.

Isso ocorre por conta de fatores ambientais e suas disponibilidades, principalmente água, luz e temperatura. Porém, como o requerimento na produção animal é constante e muitas vezes crescente, a vedação ou diferimento de pastagem é uma técnica interessante, pois é um manejo que visa minimizar esse efeito. Com isso, conseguimos reservar aquilo que foi produzido na máxima de produção e consumir na época de escassez.

Figura 1 - Produção de forragens ao longo do ano e demanda nutricional de bovinos.
Fonte: Adaptado de Nussio (2013) Volumosos para Bovinos - III Seminário Confinatto.
Figura 1 – Produção de forragens ao longo do ano e demanda nutricional de bovinos.
Fonte: Adaptado de Nussio (2013) Volumosos para Bovinos – III Seminário Confinatto.

O diferimento ou vedação de pastagem, nada mais é, do que o acúmulo de forragem para que o animal possa se alimentar na estação de seca e é uma prática bastante comum.

Curso Lucrar Alto Fora da Porteira - Agromove
Curso Lucrar Alto Fora da Porteira – Agromove.

AG: Como o diferimento ou vedação de pastagem é realizado?

RD: A técnica do pastejo diferido é bastante simples, basicamente é uma vedação, onde a planta se transforma em um “feno em pé”. Selecionamos uma área determinada na propriedade, que não participa do pastejo de verão (essa escolha é feita, geralmente, no terço final do período das águas) e deixamos ela se desenvolver. Então, durante o período de seca, selecionamos a parte do gado que possui maior demanda e colocamos nesta área com uma oferta maior de pasto.

Vale ressaltar que é importante que uma adubação nitrogenada seja feita no terço final do período das águas, pois isso ajuda no melhor desenvolvimento da forragem e aumenta a qualidade do produto no diferimento de pastagens.

Um ponto importante é que as pastagens que ficam mais tempo diferidas, ou seja, vedadas, elas possuem um teor mais alto de matéria seca e um teor nutritivo mais baixo. Por isso, deve-se tomar cuidado com o tempo de vedação, para que não cresça muito a ponto de acamar, ou que não tenha tempo suficiente para realizar o acúmulo de biomassa desejado. Nesse caso, ocorrem diferenças para cada espécie de planta forrageira e do local onde a técnica será implantada.

É preciso lembrar que a escolha da pastagem e da época para a vedação depende de alguns fatores que mudam de região para região. Portanto, deve-se sempre procurar um profissional da área.

AG: Qual a diferença entre vedação de pastagem e fenação? Quando devo utilizar uma técnica ou outra?

RD: A diferenciação de pastagem pode ser entendida como um “adiamento do pastejo”. É uma técnica bastante simples e não requer muitos investimentos do ponto de vista de máquinas ou de manejo. Agora, quando falamos sobre o feno, falamos sobre uma estratégia de conservação de volumoso um pouco distinta, ele tem como ponto principal a conservação a partir da desidratação (que deve ser feita o mais rápida possível para conservar valores de nutrientes e palatabilidade).

A vedação de pastagem acaba sendo uma técnica mais simples e barata, com um intuito maior de manutenção dos animais ou então de ganhos mais modestos. Enquanto o feno é uma prática que requer bastante investimento em maquinário e planejamento, além dos riscos de frustação de colheita, visto que o período ideal de produção, coincide com o período de verão, com alta frequência de dias chuvosos. É uma alternativa voltada para um gado de maior exigência como vacas em lactação que precisam de uma fibra de alta qualidade para a produção de sólidos ou então dietas de confinamento de alto desempenho. Então a escolha entre um e outro depende muito do objetivo final que se deseja alcançar.

Fazenda Santa Maria - Cassilândia - MS.
Foto: Rogério Domingues.
Fazenda Santa Maria – Cassilândia – MS.
Foto: Rogério Domingues.

AG: Quando devo iniciar o planejamento da vedação de pastagem? Posso utilizar a vedação com estratégia comercial para o gado? Como?

RD: O início do bom planejamento da oferta e demanda de forragem se dá em conjunto com o início de cada ano agrícola. Neste período, concretiza-se a venda de animais e compra de insumos e já fica determinado qual será o manejo adotado para as pastagens (escolha da área e planejamento da aplicação de fertilizantes, diferimento, taxa de lotação, etc.). A pastagem deve ser diferida, em média, entre 2 a 4 meses antes do final do período de chuvas, para que tenha uma boa condição do acúmulo de massa, sem que haja a senescência da mesma.

Com este planejamento, é perfeitamente possível utilizar a vedação de pastagem como estratégia comercial, pois é possível aferir o volume de massa acumulada e, consequentemente, o número de animais que serão colocados na área por um determinado período. Uma técnica interessante é escalonar o diferimento, que é uma forma de obter forragens de alta qualidade em diferentes períodos. Existe uma recomendação que indica trabalhar em terços da área, o primeiro seria vedado em fevereiro e os outros dois em março.

AG: Existem espécies forrageiras mais indicadas para o uso na vedação de pastagem?

RD: As plantas mais indicadas para a vedação de pastagem são plantas que apresentam um baixo acúmulo de talos e boa retenção de folhas verdes. Com isso, busca-se um valor nutritivo mais alongado dentro do período de pastejo na época das secas. Pesquisas apontam que as espécies mais indicadas são as do gênero das Brachiarias, como braquiarão, e os Cynodons, como tifton, coast cross, etc. Algumas propriedades também trabalham com o diferimento de Panicum como tanzânia, mombaça e outros, porém eles têm uma perda mais rápida do valor nutritivo. O ideal é evitar as espécies de crescimento cespitoso, dando maior preferência a plantas de crescimento prostrado.

Toda propriedade pode utilizar áreas com Brachiaria e Panicum, onde intensifica-se o uso do Panicum nos períodos de águas e deixando a Brachiaria para o diferimento de pastagens, a partir do mês de fevereiro, para que seja utilizada no período seco.

Mercado Futuro e Opções de Futuros na Pecuária de Corte e Grãos - Agromove
Mercado Futuro e Opções de Futuros na Pecuária de Corte e Grãos – Agromove.

AG: Alguns estudos (da EMBRAPA, por exemplo) indicam que o diferimento de pastagem é um método pouco nutritivo. Por quê? Como posso resolver este problema?

RD: De fato, vários autores mostram que quanto maior o período de vedação menor é o teor de nutrientes. A maturação do pasto é caracterizada pelo aumento da fibra e da lignina, por conta do espessamento da sua parede celular, além de haver uma queda do teor de proteína bruta e boa parte dos minerais. Então, de fato, somente o uso desta forragem leva a um desempenho animal muito modesto, nulo ou até mesmo negativo (perda de peso), mesmo tendo o alimento em quantidade.

A forma de tornar esse método mais eficiente (melhorar o desempenho dos animais em pastagens diferidas), é a adoção de práticas empregadas antes do período de diferimento, com o intuito de aumentar a qualidade do pasto vedado. Alguns exemplos são: diferimento em etapas e adubação nitrogenada no momento da vedação, nos meses de fevereiro/março, ainda antes do final do período chuvoso. Outra alternativa para o uso de uma forragem mais fibrosa, seria a adoção de suplementos proteicos como forma aditiva à nutrição, otimizando o desempenho do animal.

Figura 2 - Relação entre a maturação e o teor nutricional da forragem.
Fonte: MilkPoint.
Figura 2 – Relação entre a maturação e o teor nutricional da forragem.
Fonte: MilkPoint.

AG: Qual a área ideal para a vedação de pastagem? Como devo escolher esta área?

RD:  A vedação deve ser trabalhada em áreas produtivas, sem restrição com a parte de fertilidade de solo, áreas que estão em boas condições e possuam alto potencial de produção. Nestas áreas é importante aplicar entre 40 a 50 kg de N (utilizar fonte com nitrato ou sulfato, com objetivo de redução de perdas por volatilização) diretamente em cobertura no solo, momentos antes da vedação. Em suma, deve-se escolher a melhor área para se ter uma melhor resposta em produção de matéria seca, ou seja, do acúmulo dessa pastagem.

AG: Em comparação com a fenação, este processo possui mais ou menos custos?

RD: A vedação é um método bastante promissor no sentido de ser de fácil adoção e ter baixo custo. Não necessita de nenhum investimento em instalações, colheita e maquinário. Sua única exigência é conhecimento no manejo que engloba as escolhas mais adequadas para o processo. A vedação é bastante viável quando se pensa em períodos e categorias específicas e objetivos pré-estabelecidos. Agora conservação de forragens, seja ela na forma de feno ou mesmo de silagem, é um processo mais caro, contudo trata-se de uma fonte mais nutritiva de alimento volumoso para o gado.

AG: Para cada unidade animal (UA)/ha que eu aumento na lotação das águas, quanto eu preciso aumentar de área de vedação?

RD: De maneira geral, a recomendação de vedação é, normalmente em torno de 40% da área de pastagem efetiva. É possível a realização de cálculos matemáticos por meio de sistema de equação gerados pela oferta e demanda dentro de cada período, mas isso é muito particular de cada propriedade e cada região. Como exemplo, se a lotação média da propriedade seja em torno de 1,2 a 1,5 UA/ha no verão, as áreas de pastagens diferidas suportam em torno de 2,0 UA/ha no inverno (em razão da concentração dos animais na área e menor tempo de uso).

Para sistemas de produção que trabalham com lotações médias maiores que 1,5 UA/ha, as técnicas de conservação de forragens (feno/silagem) para uso em confinamento ou semiconfinamento dos animais torna-se mais recomendável.

Plataformas Inteligentes Agromove
Plataformas Inteligentes Agromove.

AG: Existe alguma conclusão que você gostaria de deixar para os leitores que estão acompanhando este artigo?

RD: Como conclusão eu gostaria de citar alguns tópicos:

  • A estacionalidade na produção de forragens é um ponto chave para que se faça um planejamento efetivo nas propriedades que trabalham e se dedicam à exploração de pecuária à pasto.
  • A partir da curva de estacionalidade é possível determinar, dentre outros fatores, a área necessária para a produção de alimentos no período de inverno. Este trabalho, necessita estar baseado séries históricas de clima (regime pluviométrico, luz e temperatura) e de uso do solo (níveis de fertilidade, potencial produtivo, últimas práticas culturais, etc.).
  • A estacionalidade representa o principal entrave para o aumento da taxa de lotação animal ao longo do ano.
  • As alternativas que visam corrigir essa deficiência de forragem no período de restrição, precisam ser tomadas durante o período das águas. Seja a estratégia de diferimento ou conservação (feno e/ou silagem).
  • O diferimento impõe que os animais sejam retirados das áreas de pastejo, para que essa ausência permita que as plantas cresçam. Então, é obrigatório que o produtor entenda que esse “período de descanso” é essencial para o crescimento dessa forragem, a ser utilizada na entre safra.
  • Por último e principal, é extremamente importante que as fazendas se tornem empresas agrícolas, com planejamento de todas as atividades, com foco na execução correta de técnicas, coleta de dados para posteriores análises (geração de indicadores e relatórios), de modo que a estratégia seja fundamentada com dados gerados na propriedade, levando ainda em consideração outros detalhes importantes que possam melhorar os índices, a qualidade e consequentemente, a lucratividade da empresa.

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