Índice
Introdução
A preocupação em desenvolver sistemas de produção mais eficientes e com menos impacto ambiental protagoniza as principais discussões no âmbito da agricultura moderna. Em razão disso, profissionais e especialistas de várias áreas da agricultura vêm buscando soluções para que haja mais sustentabilidade no cenário agrícola mundial (DAMALAS, 2018).
Os produtos biológicos surgem como uma oportunidade de aumentar a eficiência do processo produtivo das propriedades rurais, além de diminuir os impactos ambientais causados pelo excessivo uso de químicos na agricultura. Esses produtos incluem desde inoculantes, promotores e reguladores de crescimento vegetal, até defensivos biológicos.
Para entender o que são e quais as vantagens de se utilizar os produtos biológicos, é necessário primeiramente compreender a importância da microbiologia na agricultura, principalmente no solo. Acompanhe o texto para entender mais sobre essa dinâmica.
Conceitos de Biologia do Solo
O solo é um dos compartimentos de maior importância da biosfera como reservatório biológico, funcionando também como um reservatório de água, suporte indispensável do sistema agrícola e atividades humanas (CARDOSO; ANDREOTE, 2016). São inúmeros os processos do solo que envolvem a atuação da parte biológica, tornando o manejo adequado deste quesito crucial para que se tenha um solo produtivo e, principalmente, estável.
Sendo assim, é de extrema importância entender os processos biológicos do solo e suas interações com as atividades agrícolas, para que assim, se tenha uma agricultura de alto potencial produtivo em um sistema tamponante. A idealização de um sistema ativo e qualificado biologicamente está fortemente ligado ao tipo de manejo empregado, tornando a maneira como o solo é utilizado altamente responsável pela diversidade nele contida.
A composição biológica do solo é bastante diversificada e inclui organismos de múltiplas características. Esses organismos são comumente separados em grupos para serem estudados, resultando na classificação de fauna do solo. Nessa classificação, inclui-se a macrofauna (organismos maiores), a mesofauna (organismos de tamanho intermediário) e microfauna do solo (organismos menores) (GILLER, 1996 apud CARDOSO; ANDREOTE, 2016).
A biomassa microbiana apresenta alta quantidade de indivíduos, representando uma quantidade de 107 a 109 células por grama de solo. Dentro dessa abundância de organismos tem-se uma diversidade contendo mais de 10.000 espécies (CARDOSO; ANDREOTE, 2016). Vale ressaltar que os valores de abundância e diversidade de espécies varia conforme o tipo de solo e o manejo aplicado sobre ele.
Um conceito muito importante quando se pensa na biologia do solo é o de redundância funcional/metabólica que diz respeito a um sistema com alta diversidade microbiana e metabólica, que possui organismos distintos que atuam no mesmo processo sob condições complementares. Além disso, solos que apresentam essa característica possuem alta resiliência, que se trata da capacidade de um sistema se deformar e voltar ao normal após diminuir-se a pressão de seleção (ANDREOTE, s.d.).
A Figura 1 mostra uma representação de diferentes microrganismos com faixas de atuação ótima distintas, o que viabiliza a ocorrência de um determinado processo biológico em diversas circunstâncias do meio. Essa circunstância é favorecida quando se tem um cultivo diversificado de plantas, que favorece a manutenção da biodiversidade do solo. No entanto, um manejo inadequado, em que se faz o uso do monocultivo ciclo após ciclo, promove a seleção e homogeneização da microbiota do solo, reduzindo a diversidade e fazendo com que a redundância funcional seja baixa, ou seja, o solo se torna muito sensível às variações a que é submetido.
A abundância e diversidade da biomassa microbiana no solo está muito envolvida nos processos de desenvolvimento vegetal, catabolizando a matéria orgânica, atuando na mineralização de nutrientes, na fixação biológica de nitrogênio, na proteção da planta contra pragas e patógenos (CARDOSO; ANDREOTE, 2016). A diversidade estrutural e funcional da comunidade microbiana da rizosfera é afetada pelas espécies de plantas e comunidades vegetais presentes. Isso ocorre principalmente devido a variações na composição dos exsudatos radiculares e dos sinais bioquímicos neles presentes, influenciando diretamente no comportamento dos organismos dessa região (BERG; SMALLA, 2009; RIBEIRO; CARDOSO, 2012).
A função e atividade de um organismo é influenciada pelo ambiente em que ele se encontra. Desta forma, a rizosfera permite que os organismos contidos nela apresentem funcionalidades distintas das que possuem quando no ambiente adjacente do solo. Assim, a redução de diversidade da microbiota pode não resultar em uma diminuição das funções do ecossistema, mas sim em um enriquecimento e intensificação das funções de maior interesse e relacionadas ao bom desenvolvimento vegetal (NANNIPIERI et al., 2003; MARKOWITZ et al., 2008 apud CARDOSO; ANDREOTE, 2016). Com isso, a planta atua moldando a biomassa microbiana que permeia suas raízes, influenciando no aumento e intensificação das funções microbianas na rizosfera. No entanto, a seleção de organismos benéficos pela planta é dependente da diversidade que o solo apresenta como um todo, podendo haver perda de eficiência da exsudação radicular devido à presença de organismos oportunistas (ANDREOTE, s.d.).
O que são produtos biológicos?
Os produtos biológicos são aqueles que levam em sua composição organismos vivos ou inativos (não formam esporos) e entregam algum tipo de associação com as plantas, a qual é benéfica na visão do manejo para a agricultura. Esses produtos podem ser utilizados como agentes de controle de pragas, inoculantes e estimulantes, em suas formas naturais, misturas líquidas ou turfosas (MARRONE, 2019).
Além de organismos vivos também podem ser utilizadas substâncias derivadas de seus metabolismos, sendo assim os biológicos são definidos como substâncias de origem natural utilizadas como insumos agrícolas. O propósito do uso de tais substâncias e organismos é diminuir a dependência e o impacto no ambiente causado pela aplicação de substâncias químicas sintéticas, pois apresentam menor toxidade, maior especificidade de alvos e, na maioria das vezes, possibilitam a manutenção de organismos benéficos para o solo e para as plantas (DAMALAS, 2018; LOPES, 2018).
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA [s.d.], os produtos biológicos de controle são divididos na legislação brasileira em agentes microbiológicos, agentes macrobiológicos e semioquímicos, os quais possuem o propósito de controlar pragas e doenças existentes nas áreas de agricultura.
Os biodefensivos macrobiológicos são aqueles em que o ativo existente é um organismo vivo, aplicado diretamente na lavoura. Os microbiológicos são compostos de microrganismos em misturas líquidas ou turfosas aplicados no solo ou na parte aérea da planta. Por fim, os semioquímicos são substâncias extraídas de metabolismos de microrganismos ou de vegetais (ANVISA [s.d.]).
Já os inoculantes são definidos pela legislação como substâncias que contém microrganismos em sua composição, os quais possuem funções favoráveis ao desenvolvimento da planta. Os estimulantes, por sua vez, possuem ativos em sua composição e não apenas microrganismos, o que pode promover benefícios diretos e indiretos no desenvolvimento vegetal (ANVISA [s.d.]).
Quais são os benefícios desses produtos? Por que devo utilizar?
Analisando as funções dos produtos em questão conjuntamente com a dinâmica da biologia do solo, podemos constatar que os benefícios são:
- Manutenção da atividade biológica do solo;
- Promoção de interações benéficas com as plantas;
- Maior solubilidade de nutrientes;
- Aumento da fauna benéfica, o que promove maior inibição de organismos oportunistas;
- Controle de pragas de solo e doenças radiculares;
- Maior ciclagem de nutrientes.
Já as vantagens do uso de defensivos biológicos são:
- Manejo integrado de pragas;
- Redução da indução de resistência de pragas e patógenos à sintéticos;
- Redução do impacto ambiental;
- Manutenção de outros inimigos naturais;
- Possibilidade de controle preventivo ou pós-infestação, dependendo do agente de controle e seu alvo;
- Maior economia para o produtor.
Ademais, os produtos biológicos como um todo podem aumentar a eficiência e a economia do processo produtivo, apresentando bons resultados quanto à produtividade, desde que utilizados da maneira correta e recomendada pelos especialistas.
Além dos produtos biológicos, como posso fazer um bom manejo da biologia do solo?
O manejo da parte biológica do solo visa a criação de um ambiente produtivo mais estável, ou seja, menos suscetível aos estresses e menos dependente do suprimento artificial das necessidades das plantas, resultando em um sistema tamponante. Basicamente, ao se investir em práticas biológicas, busca-se uma maior rusticidade do sistema, promovendo a diversidade da microbiota através de atitudes mais conservacionistas (ANDREOTE, s.d.).
As plantas cultivadas constituem-se como fator determinante para a condição dos atributos físicos, químicos e biológicos do solo. Além do mais, são essenciais na determinação de matéria orgânica do solo, que é decisiva na dinâmica desses atributos que compõem a fertilidade do solo. Ou seja, é indispensável que, antes de qualquer prática relacionada ao manejo biológico do solo como o uso de produtos biológicos comerciais, se invista na recuperação da biodiversidade do solo como um todo (ANDREOTE, s.d.).
O monocultivo ou os sistemas de sucessão de culturas praticados usualmente promovem, ao longo do tempo, alterações negativas para o sistema produtivo, por meio da degradação física, química e biológica. Além disso, esse processo favorece a queda de produtividade e o crescimento da incidência de pragas, doenças e plantas daninhas (GONÇALVES et al., 2007). A Figura 2 representa um sistema com grande diversidade de vegetação, o que permite uma exploração diversificada do solo e interações com os mais diversos grupos de microrganismos, uma vez que a exsudação radicular e a deposição de material orgânico sobre esse sistema são heterogêneas. Já na Figura 3, tem-se a cobertura do solo com a realização de uma única cultura, tornando a parte biológica mais simplificada e menos dinâmica. Sendo assim, a exploração desse ambiente com uma monocultura resulta na seleção de determinados grupos de microrganismos do solo, desfavorecendo outros que não interagem com a cultura em questão. Isso promove uma homogeneização da microbiota do solo, que o torna vulnerável a possíveis mudanças ou estresses ambientais (ANDREOTE, s.d.).
Adequando a teoria de biodiversidade à prática tem-se a realização de sistemas de rotação de cultura, consórcio e de integração. Essas práticas permitem uma ocupação do solo de maneira mais diversificada, beneficiando o sistema produtivo a longo prazo (ANDREOTE, s.d.).
O uso de plantas de cobertura sofre uma certa restrição de boa parte do setor produtivo, uma vez que não se convertem em retorno econômico direto e imediato. Porém, o papel desempenhado por essas espécies é claro e viável ao se comparar os sistemas de produção que não as adotam (LAMAS, 2017).
A escolha da cultura de cobertura a ser introduzida no sistema depende do objetivo que se deseja alcançar com seu uso. Existem benefícios proporcionados por cada tipo de vegetação, entre eles a fixação de nitrogênio (caso das leguminosas), estruturação do solo e fornecimento de matéria orgânica (destaque para a braquiária), o controle de nematoides (caso da crotalária), entre outros benefícios. Um dos fatores que influenciam na decisão pelo tipo de cultura a ser introduzida é a suscetibilidade a pragas e doenças, como por exemplo a ocorrência de nematoides, o que pode ser evidenciado pela Figura 4. Nesse caso, ao avaliar uma situação em que a produção agrícola apresenta problemas com nematoides, opta-se pelo uso dos diferentes tipos de crotalária, com exceção à Crotalária juncea.
A rotação e sucessão com culturas não hospedeiras são os métodos mais promissores de manejo de nematoides, levando-se em consideração a falta de cultivares resistentes ou tolerantes ao nematoide e a baixa eficiência técnica e econômica dos nematicidas (SILVEIRA; RAVA, 2004).
As plantas chamadas de resistentes aos nematoides são aquelas que apresentam fator de reprodução (FR) menor que 1, ou seja, causam a redução populacional do nematoide. O fator de reprodução se trata da relação entre a população final e a população inicial do patógeno. Plantas moderadamente resistentes apresentam (FR) entre 1 e 5, e plantas suscetíveis, FR maior que 5 (INOMOTO, 2018).
Conclusão
Os produtos biológicos possuem múltiplas funcionalidades e são capazes de atuar em todo o ciclo produtivo das culturas agrícolas. Sendo assim, é necessário o entendimento de seus modos de ação e as aplicações práticas, visando o incremento na produtividade e o aumento da sustentabilidade na agricultura, sendo esse um ponto de destaque atualmente.
Com a constante modernização da agricultura e a pressão para torná-la menos agressiva ao meio ambiente, a tendência é que tecnologias de biológicos se tornem mais comuns no mercado e no dia a dia do produtor rural. Ademais, o manejo das culturas e coberturas de solo além do uso integrado de sintéticos e biológicos, surgem como grandes ferramentas de otimização do sistema agrícola, fazendo com que seja cada vez mais possível alcançar produtividades recordes nas lavouras.
Para saber mais sobre tecnologias, inovações e suas aplicações na agricultura fique de olho nos próximos posts ou entre em contato com o Grupo de Apoio à Pesquisa e Extensão – GAPE que possui área de atuação em nutrição de plantas e adubação.
Site: www.gape-esalq.com.br Telefone: (19) 3417-2138. e-mail: gape.usp@gmail.com Instagram: @gape.esalq
>> A adubação fluida é uma modalidade de adubação que apresenta diversas vantagens para os produtores rurais e futuro promissor no contexto da agricultura nacional, sendo cada vez mais adotada. Assim, para saber mais a respeito de adubação fluida, acesse o artigo “Fertilizantes Fluidos”!
>> A dessecação da soja é uma interferência essencial na cultura para casos em que a colheita deve ser antecipada, tanto para garantir a qualidade do grão e ter uma homogeneidade na colheita, quanto para poder realizar o plantio da segunda safra com uma melhor janela de chuvas. Acesse o artigo “Dessecação da Soja: qual o melhor momento” e aprenda um pouco mais sobre este processo!
>> As práticas corretivas têm por objetivo melhorar o ambiente edáfico ao desenvolvimento de plantas. Além disso, são capazes de fornecer nutrientes, aumentar a disponibilidade destes e a eficiência de futuras adubações. Acesse o artigo “Práticas Corretivas em Pastagens” para saber mais sobre as diferentes práticas corretivas realizadas em pastagens!
>> As práticas corretivas melhoram as qualidades do solo, e consequentemente proporcionam uma maior produtividade das culturas, sendo que com a cultura do milho não é diferente! Acesse o artigo “Práticas corretivas para a Cultura do Milho” e saiba mais a respeito das principais práticas corretivas para a cultura do milho!
>> As práticas corretivas (calagem, gessagem e fosfatagem) e adubação corretiva com potássio melhoram o ambiente, visando a correção do perfil do solo, para aumento na absorção de água e de nutrientes na cultura da soja. Acesse o artigo “Práticas corretivas para a Cultura da Soja” e saiba mais a respeito das principais práticas corretivas para a cultura da soja!
>> Quer saber mais sobre Mercado Futuro? Leia o artigo “Mercado Futuro do Boi Gordo e Commodities: 7 cuidados básicos” do Alberto Pessina.